Tudo estava muito escuro. Um homem encapuzado subia a encosta de uma montanha tentando não tropeçar, fincando o cajado improvisado em cada saliência daquele solo rochoso. O terreno seco se transformava em poeira a cada passo dado. Fazia muito esforço, já tinha andado por três dias, descansando pouco para comer e dormir. Por mais que fosse treinado em sobrevivência, o homem sentia que poderia sucumbir a qualquer momento. As habilidades que ele possuía, ali de nada serviam. Toda a força que lhe restava ele tentava concentrar na flexão das pernas para que não caísse. Seu rosto estava coberto com um pedaço de tecido sujo, numa tentativa de proteger o nariz e a boca da poeira trazida pelo vento forte. O capuz de seu manto protegia os olhos e orelhas.
Tudo era tão estranho naquela paisagem. Camadas de cascalho e terra preta se desprendiam da trilha estreita, rolando encosta abaixo rapidamente. A lateral da montanha era muito íngreme. Se desse um passo mais largo que o calculado, o homem perderia o equilíbrio e cairia, parando somente quando atingisse o chão a muitos metros dali. O objetivo, entretanto, não era chegar ao platô no topo da rocha, e sim encontrar uma caverna a pouca distância do ponto mais alto. Um pilar de pedra clara deveria sinalizar a localização exata, de acordo com as instruções. Dias antes, o homem tinha ouvido uma conversa peculiar enquanto bebia uma cerveja numa taverna em Gahari. Era uma cidade árida, mercantil, repleta de vagabundos que tentavam ganhar dinheiro a troco de boatos. A conversa acontecia entre três ou quadro mercadores após um dia cheio, sentados em uma mesa ao lado da sua. Falavam baixo, mas a audição aguçada permitia que ele entendesse cada palavra.
– ... um alado que veio das Ilhas de Pedra, foi ele quem me disse... – o mercador sussurrava – Acharam alguma coisa em uma caverna na maior das ilhas, estou dizendo...
As Ilhas de Pedra eram a última porção de terra a leste do oceano, no limite do mundo conhecido. Era um arquipélago que reunia cinco ilhas que serviam de habitat a uma diversidade de criaturas selvagens. Devido ao perigo iminente, poucos se aventuravam por lá. O mercador continuava:
– Disse que o que acharam é algo nunca visto. É tão estranho que ele nem soube me explicar, entende? São coisas brilhantes, foi o que ele me disse. Eu acredito. Ele me contou tudo sem cobrar por isso, então eu acho que é verdade. É um alado, tem de ser verdade.
Os outros mercadores assentiram. Os alados não eram famosos por disseminar mentiras, faziam parte de grandes grupos como a Milícia e os Peregrinos. Poderiam ser punidos ou perder importantes cargos por calúnia. Informação era um dos bens mais valiosos em Gahari. Ali muitos povos se encontravam, gente que vinha de todas as partes de Daeva para vender e comprar mercadorias, portanto informantes também eram comuns. O fato de um alado ter dado informações aparentemente valiosas a troco de nada, era no mínimo intrigante. O homem, que ouvia atentamente, girou em sua cadeira na direção dos mercadores e colocou uma bolsa de moedas na madeira puída da mesa com um tilintar abafado.
– Essas também são brilhantes.
Todos na mesa se assustaram. O locutor olhou para a bolsa com ganância, depois para o rosto encapuzado do outro homem. Garantiu se ninguém mais prestava atenção neles antes de arrastar o dinheiro pela mesa até um bolso escondido em seu casaco. Parecia animado. Fez um sinal para que o homem se sentasse com eles e outro para alguém trazer mais cerveja.
– Quem é você? – Perguntou, enfim.
– Não te importa. Eu paguei, me diga tudo.
– Está bem...
E após ouvir todas as instruções atentamente, o homem saiu da taverna e seguiu seu caminho. Chegar nas Ilhas de Pedra não era tarefa fácil para um ser humano. O acesso se dava apenas através do ar. Por ser um território selvagem, as Ilhas não recebiam nenhum navio vindo do continente. Áreas onde só alados conseguiam atingir não eram incomuns, eles formavam a maioria da população de Daeva, era inevitável. Contudo, o homem não era um ser humano qualquer. Dias depois, em um platô de pouso no litoral leste daquele continente, o homem avistou as Ilhas ao longe. Concentrando-se, ajoelhou no chão de pedra branca e desapareceu.
Agora continuava a subida até a caverna, três dias depois de chegar às Ilhas. Se materializar ali em cima seria perigoso demais, poderia terminar dentro da rocha sólida se não soubesse exatamente para onde ia. Por isso tinha feito todo o percurso a pé. Soube que tinha chegado ao ponto certo quando o pilar apareceu. A entrada da caverna era uma simples abertura natural. Se não fosse pelo brilho perolado que iluminava as paredes internas, seria uma caverna comum. Conforme o homem entrava na montanha, aquela escuridão lá de fora, o vento e a poeira iam ficando para trás. Ele tirou o pano amarrado sobre o nariz para inspirar o ar gelado e desceu o capuz. Fazia um pouco de frio e seus os olhos iam se acostumando àquela claridade estranha. Esperou por aquele momento durante toda sua vida, a expectativa era altíssima. Se pudesse correr ele teria corrido até o final daquela cavidade que se abria cada vez mais. O teto era alto, provavelmente atingia o topo da montanha, e lá em cima se penduravam estalactites brilhantes de algum material azulado. Não parecia gelo, tampouco a pedra escura que revestia aquela montanha.
Ele avistou uma pequena elevação no centro da grande caverna e por um instante perdeu o fôlego. Era exatamente como as imagens que ele tinha gravadas em sua mente. Os sonhos que o perseguiam desde a infância estavam concretizados ali e agora, bem diante de seus olhos. Subindo alguns degraus brancos, ofegante, o homem baixou os olhos para uma estrutura transparente e brilhante que o separava de uma figura quase duas vezes maior que ele mesmo. Com lágrimas nos olhos, colocou uma das mãos sobre aquela lâmina de vidro e suspirou.
Sentia alívio.
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