
Talvez O Conto da Aia (Handmaid’s Tale) seja a obra mais famosa da Margaret Atwood atualmente, devido à popularidade da série de televisão no Brasil e no mundo. Quem assiste a série percebe como a autora é crítica a padrões de pensamento e comportamento na sociedade humana, retratando de forma gráfica os absurdos caminhos que a realidade pode tomar e vem tomando. Através da experiência de Offred, ou June, são discutidas questões de gênero, sexualidade, religiosidade, dentre outros, retratando de forma dura até onde o ser humano pode chegar pra defender seus ideais, sejam quais forem.
Em 2019 me dei a chance de conhecer outros trabalhos da autora e me deparei com as publicações da Editora Rocco, que trouxe pro Brasil outra obra dela que também é bem conhecida no exterior, a trilogia MaddAddão. Antes de ler O Conto da Aia eu já sabia da existência dessa trilogia, que tinha aparecido bastante nas minhas buscas por melhores séries de ficção científica e, como sou amante de sci-fi e também da autora, não pude deixar de ler. Nessa distopia, Atwood segue fazendo críticas aos padrões de pensamento e comportamento humanos, mas aqui temos um viés não explorado na outra obra: a ciência – e é isso que torna tudo tão incrível pra mim na trilogia.
Vou deixar uma breve sinopse sobre cada livro da série e também minhas opiniões sobre a trilogia num geral, sem spoilers.
No primeiro livro, Oxyx e Crake, somos apresentados ao Homem das Neves, um cara meio louco que vive em cima de uma árvore à beira de uma praia e anda por aí nu, usando um boné e óculos escuros. O Homem das Neves acredita ser o último sobrevivente humano da pandemia que exterminou toda a raça humana do planeta e tenta sobreviver em meio aos escombros da sociedade. O livro alterna entre o seu presente nesse mundo pós-apocalíptico e seu passado como Jimmy, um garoto que se muda pra um complexo científico onde o pai trabalha como engenheiro genético pra uma grande corporação, a HelthWyzer. É lá que ele faz amizade com o excêntrico Crake, com quem irá compartilhar boa parte de sua vida a partir daí.
Artes das capas nacionais, por Laurindo Feliciano
O Ano do Dilúvio, o segundo livro, nos apresenta mais duas personagens dessa distopia: Toby e Ren. Assim como o anterior, esse livro também alterna entre passado e presente e, através das narrativas de ambas, vamos conhecendo mais sobre o funcionamento da sociedade futurista de antes da grande pandemia, assim como sobre suas vidas atuais nesse mundo devastado e dominado por animais geneticamente modificados. Ambas fazem parte dos Jardineiros de Deus, um grupo meio hippie e pseudo-religioso que tem como princípio básico a preservação da natureza, mas que esconde segredos em suas entranhas.
O livro que fecha a trilogia e também dá nome a ela, MaddAddão, nos leva a conhecer melhor o passado de um dos personagens mais turrões da série, Zeb, e aprofunda sua relação atual com Toby e Ren, bem como com os demais sobreviventes. É nele que todas as narrativas se encontram e culminam no clímax da trama iniciada no primeiro livro, com direito a visitas à cenários anteriores, respostas e encerramentos.
Comentários
A maior crítica da autora nessa série talvez esteja direcionada às grandes corporações e seus maiores interesses financeiros, voltados pro consumo em massa de produtos nem tão saudáveis, muitas vezes sintéticos e que beiram o antiético. Consegui perceber que, por mais que estejamos falando de um universo fictício, a aproximação da história com a nossa realidade é gigante e fica evidente quando a autora critica corporações por trás de grandes redes de fast food, produtos de beleza e até da indústria do entretenimento.
Achei demais a forma como essa realidade influencia diretamente as vidas de cada uma das personagens apresentadas, como reagem ao desenvolvimento das tecnologias e também como passam a sobreviver sem essas facilidades do mundo moderno, algo que os Jardineiros já aprendem a lidar antes mesmo do Dilúvio ¬– o nome que eles dão pra pandemia viral que dizimou a população.
O Homem das Neves e Toby, por Sean McMurchy
Margaret Atwood é ótima em escrever personagens complexos, expressando muito bem quais são suas motivações, interesses e preocupações, evidenciando a personalidade de cada um e seu desenvolvimento na trama. É incrível observar a construção do universo em que se passa a história: uma sociedade onde a ciência é tão avançada a ponto dos seres humanos serem capazes de modificar a genética a seu favor, criando animais como: híbridos entre espécies, porcos projetados pro cultivo de órgãos humanos e carne pra consumo, ovelhas criadas pro cultivo de cabelos pra implantes capilares e até uma raça de humanos geneticamente modificados, os crakers.
Outros pontos que acho legal destacar são: as relações das personagens com os crakers, a visão que os crakers têm dos hábitos da nossa sociedade, a crítica às religiões e sua relação econômica com as megacorporações e principalmente a facilidade que a autora tem de apresentar tudo isso de forma bastante didática, nos deixando ansiosos pelo próximo capítulo. Pra quem gosta de distopia e ficção científica pós-apocalítica é um prato cheio, ainda que não seja uma trama das mais convencionais. Essa história tem elementos comuns à outras do gênero, mas também apresenta novas ideias, o que consagra Margaret Atwood como uma das maiores escritoras da ficção especulativa.
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